quarta-feira, 29 de outubro de 2014

DEPOIS DE AUSCHWITZ

Com o texto abaixo, estou começando um projeto de resenhas semanal, que visa dividir com vocês as minhas impressões sobre os livros que leio e fomentar o debate sobre as obras.
Escolhi começar com Depois de Auschwitz, primeiro porque foi um presente do meu Amor e porque o tema do judaismo tem me intrigado nos últimos tempos.
Espero que curtam e comentem!
RESENHA DO LIVRO: "DEPOIS DE AUSCHWITZ - O emocionante relato da irmã de Anne Frank que sobreviveu ao Holocausto

Nesta obra Eva Schloss nos apresenta a vida de sua família em Viena. Uma rica família judia que desfrutava de toda a sofisticação e majestade da cidade, vivendo em uma vila espaçosa no subúrbio. Ela nos introduz a intimidade de seu pequeno núcleo, contando a história de seus avós, de como seus pais se conheceram e se casaram e como era a rotina na companhia de seu irmão mais velho Heinz.
No texto, conseguimos sentir a atmosfera da Viena pré guerra, que se configurava em uma potência comercial e cultural, iluminada por pessoas como o compositor Gustav Mahler, o escritor Arthur Schnitzler além do médico Sigmund Freud.
Aqui vale uma observação. A capa do livro nos leva a um erro pois diz “o emocionante relato da irmã de Anne Frank que sobreviveu ao Holocausto”. Eva Schloss não era irmã de Anne Frank. Elas se conheceram em Amsterdã quando suas famílias foram exiladas no momento em que a perseguição aos judeus já se intensificava. Nesse período, as vidas de Anne e Eva se cruzaram de forma não muito intima e, caso Auschwitz não tivesse existido, talvez nunca mais se encontrariam novamente.
Ocorre que Auschwitz existiu. Lá Anne Frank, sua mãe e sua irmã Margot morreram. O mesmo destinou tiveram o pai e o irmão de Eva. Da família de Eva restaram ela e sua mãe. Da de Anne, sobreviveu Otto, o pai que dedicou a vida a não deixar que a memória da filha e os horrores que o preconceito podem causar sejam esquecidos.
Mas voltemos à história de Eva. Sua narrativa tem a legitimidade de quem foi testemunha dos fatos. Quase se pode sentir a angustia da menina que teve sua vida completamente modificada, o medo de que seu irmão perdesse a vista após ser agredido por nazistas, a tristeza de ter que deixar a casa em que cresceu, de ter que se separar do pai e irmão amados, pois assim as chances de não serem capturados seriam maiores.
Eva passou por vários esconderijos e viveu na clandestinidade, sendo restringida a lugares pequenos e silenciosos. Ela mesma diz que não sabe como sobreviveu a isso, uma vez que era uma menina extremamente ativa e amante do ar livre. No entanto, ela compreendia a clareza das opções: esconder-se ou morrer e a esperança de que aquilo não era para sempre lhe fortalecia, ainda que as emoções que prevaleciam eram terror extremo e tédio excessivo.
Outro aspecto interessante da leitura é a relação mãe e filha e a dificuldade que Eva demonstra quando diz: “Foi difícil para mim ficar trancafiada com minha mãe dia e noite, assim como para ela não foi nada fácil passar o tempo com uma garota de treze anos mal-humorada e irritante”
Eva e sua família foram capturados pelos nazistas na manhã em que completava 15 anos. Do esconderijo foram levados para um local de interrogatório no qual as humilhações e agressões físicas começaram. Depois veio a viagem de três dias no vagão de transporte de gado superlotado e por fim a chegada em Auschwitz-Birkenau. Na chegada, os guardas disseram que aqueles que não pudessem andar pelo cansaço ou por estarem doentes deveriam se identificar, pois seriam providenciados caminhões para leva-los ao destino. Muitos aliviados aceitaram a gentileza. Nunca mais foram vistos.
A primeira seleção pela qual Eva, sua mãe e as demais pessoas que chegaram junto com elas passaram foi comandada por ninguém menos do que Josef Mengele, o Dr. Morte. Ela foi uma das sete crianças entre 168 que não foram enviadas imediatamente para a câmara de gás. Após esse momento, são descritos a rotina no campo, a sujeira com a qual conviviam, o medo constante de não acordarem no dia seguinte, a fome e as doenças. Os ataques de insetos e ratos, o balde sanitário compartilhado.
Minni, uma prima de sua mãe que trabalhava no hospital do campo salvou as vidas de ambas algumas vezes e facilitou que Eva encontrasse com seu pai pelas grades. Mas não conseguiu salva-lo também.
A chegada das forças da URSS se configurou na libertação do campo. Não sem ainda passarem por medos e sofrimentos e ainda pessoas morrerem com o choque causado por se alimentarem de comida quente e substancial após tanto tempo em uma dieta extremamente restrita.
Uma passagem que me causou espanto foi a que conta sobre a madrugada em que os soldados chegaram com batatas que precisavam ser descascadas para alimentar os outros batalhões que estavam se aproximando e iriam ajudar a liberar o caminho para que as pessoas do campo de concentração pudessem sair. Eu imaginava que todas as mulheres iriam prontamente ajudar, pois era um gesto de gentileza e gratidão com aqueles que viriam salva-las. No entanto, para minha surpresa, Eva conta que muitas pessoas acharam aquele pedido um insulto e disseram que não iam descascar batatas uma vez que eram vítimas. Coisas de seres humanos.
Em uma das paradas do trem que as levaram de volta para Amsterdã, Eva e sua Mutti se encontraram com Otto Frank que, segundo a descrição da autora, estava exausto e enfraquecido. Naquele momento eles ainda não sabiam qual tinha sido o destino de seus entes queridos e nem que eles eram os sobreviventes de suas famílias. Já em casa, com a vida sendo restabelecida, Otto e a mãe de Eva se aproximaram, se tornaram grandes amigos e companheiros, se apoiando mutuamente, uma vez que um podia compreender perfeitamente a dor do outro.
Eva não pôde assistir ao julgamento de alguns “caçadores de judeus” que lucraram muito entregando famílias inteiras para os nazistas. Mas sua mãe estava lá quando Gerada Katee-Walda que havia denunciado seu marido e filho foi condenada a passar sete meses em um campo de internamento. Mutti e Otto casaram-se e dedicaram suas vidas a divulgar o diário de Anne Frank por meio de edições em diversos idiomas, peças de teatro e exposições.
Eva se casou com Zvi, um judeu que não passou pelos campos de concentração, mas experimentou o antissemitismo europeu, a perda financeira da família, a mudança de vida quando foi morar na Palestina e a dor ao saber o que estava acontecendo com os judeus no Velho Continente . Eva e Zvi tiveram três filhas e moraram em vários lugares. Os fantasmas do passado nunca a abandonaram. Ela começou a dar palestras e a contar sua história. Seu objetivo é que os jovens conheçam os fatos e impeçam que eles se repitam.